A entorse do tornozelo é a lesão ligamentar mais comum em esportistas. Também pode ocorrer durante a atividade de andar, correr ou saltar. Representa 25 % de todas as queixas ortopédicas, ocorrendo uma lesão por dia para cada 10.000 pessoas, isto é, 20.000 entorses por dia ou 830 entorses por hora no Brasil.
O movimento forçado do tornozelo e do pé para dentro, em direção à linha média do corpo, ultrapassando o limite de resistência dos ligamentos, resulta em danos a estas estruturas. Cerca de 90% das lesões ocorrem desta maneira, pela inversão forçada do tornozelo.
A lesão mais comum é a ruptura parcial ou total dos ligamentos e da cápsula articular lateral do tornozelo, o chamado complexo ligamentar lateral.
A estrutura mais frágil e mais frequentemente lesada é o ligamento talofibular anterior (LTFA).
O tornozelo é uma estrutura que deve ser estável e ao mesmo tempo flexível para permitir que os movimentos do pé sejam precisos e tenham força suficiente para impulsionar o corpo e absorver os impactos contra o solo.
A sua configuração óssea lembra uma pinça, onde o tálus encaixa-se entre a fíbula e a tíbia e é envolto por uma cápsula espessa e dois complexos ligamentares, um lateral e outro medial.
Existem três ligamentos que formam o complexo ligamentar lateral do tornozelo. O ligamento talofibular anterior, o calcâneofibular e o talofibular posterior. Os mais importantes e envolvidos na entorse são os ligamentos talofibular anterior (LTFA) e ligamento calcâneofibular (LCF). Raramente ocorre ruptura do ligamento talofibular posterior (LTFP).
O complexo ligamentar medial é formado pelo ligamento deltóide, que possui duas camadas, uma superficial e uma profunda.
Outras estruturas estão presentes e fazem parte da estabilização do tornozelo, mas são mais raramente acometidas. São elas: os ligamentos tibiofibular anterior e posterior, o retináculo inferior, o ligamento cervical e o ligamento talocalcaneano.
O mesmo mecanismo de torção e as forças envolvidas em uma entorse podem produzir uma fratura do tornozelo ou lesões da cartilagem de revestimento da articulação.
O hematoma (sangramento) e edema (inchaço) são comuns depois de qualquer entorse.
Quando ocorre sangramento dentro da articulação (derrame articular), isto pode levar à inflamação crônica dos tecidos moles do tornozelo e é conhecida como sinovite.
Além disso, a lesão da parede interna da cápsula articular pode formar uma cicatriz que permanece no interior da articulação do tornozelo e pode interpor-se entre os ossos, causando dor e sensação de instabilidade.
Mais raramente, uma lesão dos tendões fibulares pode ocasionar o deslocamento de sua posição normal atrás da fíbula, uma condição conhecida como subluxação dos tendões fibulares.
Lesões nervosas não são comuns, mas pode-se observar certo formigamento e perda da sensibilidade na porção lateral do pé (parestesia) por estiramento do nervo fibular superficial. Essa perda da sensibilidade é rara e normalmente é transitória.
Os sintomas iniciais são: dor, inchaço e hematoma, que podem afetar os dois lados da articulação, dependendo das estruturas acometidas.
A dor intensa ao toque e a impossibilidade de firmar o pé no chão ou de apoiar o peso depois de uma entorse, requer uma avaliação médica imediata e exames de raio X.
Cerca de 80 % das lesões evoluem com resultados satisfatórios após tratamento conservador, porém, 20 % dos pacientes referem dor residual e lesões associadas que impossibilitam suas atividades normais diárias.
Esses sintomas residuais e a dor crônica após a lesão ligamentar do tornozelo representam grandes dificuldades e um desafio para qualquer ortopedista.
O diagnóstico baseia-se no relato da história do paciente, no exame físico, nos sinais e sintomas encontrados e pelo estudo radiológico do pé e tornozelo.
No exame físico, a palpação é importante para localizarmos pontos dolorosos e avaliar a extensão das lesões. Existem testes que podem auxiliar na classificação, indicar a presença de instabilidade ligamentar e de lesões associadas.
Também é importante excluir possíveis fraturas com o exame de raio X, principalmente se há dor intensa e impossibilidade de apoiar o pé no solo.
Considerando as lesões ligamentares do complexo lateral, podemos classificá-las em três graus.
Dor e inchaço discreto. Tornozelo estável mecanicamente
Grau 2 (Lesão Moderada) – Ruptura parcial dos ligamentos
Dor, hematoma e inchaço. Tornozelo com certa instabilidade anterior
Grau 3 (Lesão Grave) – Ruptura completa dos ligamentos
Dor intensa, hematoma e grande inchaço. Tornozelo instável e com incapacidade funcional
A metodologia de tratamento das entorses ainda é um assunto bastante discutido e não totalmente estabelecido.
Uma abordagem prática é o tratamento das lesões ligamentares laterais baseado na classificação utilizando-se a reabilitação funcional:
Entorses Grau 1:
Pode-se utilizar tala gessada, bota imobilizadora ou imobilizador tipo “air-cast” por 1 ou 2 semanas. Lesões leves podem ser tratadas funcionalmente com imobilização elástica. Indica-se repouso, uso de gelo, antiinflamatórios e elevação do membro para aliviar os sintomas. A fisioterapia acelera areabilitação a partir da 2ª ou 3ª semana após a lesão.
Entorses Grau 2:
Tratamento semelhante ao grau 1 com prolongamento do tempo de imobilização por até 3 semanas. O período de cicatrização, de recuperação e de reabilitação é mais prolongado. A fisioterapia tem papel importante para o completo resultado funcional.
Entorses Grau 3:
O tempo de imobilização pode chegar até 4 semanas. O período de cicatrização, de recuperação e reabilitação é longo. Existe maior possibilidade de ocorrer lesões associadas e complicações com sintomas residuais tardios.
O tratamento cirúrgico é reservado para casos selecionados em atletas e lesões com grande instabilidade e abertura da pinça articular.
A reabilitação funcional é um programa supervisionado com três fases básicas de tratamento.
1ª Fase – Repouso, elevação do tornozelo, gelo, antiinflamatório e imobilização, se possível tipo “air-cast” ou bota imobilizadora. Esta fase dura até a melhora da dor e do inchaço, geralmente 1 ou 2 semanas.
2ª Fase – Fisioterapia motora supervisionada para melhorar o movimento do tornozelo, aumentar a força e a estabilidade dos músculos. Nesta fase inicia-se o apoio e o treino de marcha. Métodos analgésicos podem ser usados concomitantemente.
3ª Fase – Intensifica-se o treino de força e de propriocepção. Se o paciente sentir-se seguro e confiante é realizada a reintrodução das atividades laborais e desportivas.
Em seis semanas após entorse de tornozelo deve-se esperar 90% de bons resultados e o retorno a um bom nível de função. No entanto, é possível que existam alguns sintomas residuais de dor ou instabilidade da articulação do tornozelo.
Mesmo após seis meses há ainda uma chance de 20 a 30 % dos pacientes sofrerem com algum grau de desconforto ou leve instabilidade da articulação.
A avaliação dos sintomas residuais (dor, inchaço e instabilidade) após três meses de entorse do tornozelo, com tratamento e reabilitação adequados, é feita através da avaliação da queixa do paciente, do exame físico e da realização do exame de ressonância nuclear magnética.
Este exame auxilia no diagnóstico de defeitos da cartilagem articular (lesões osteocondrais), aderências e cicatrizes internas dolorosas e inflamadas como sendo a fonte dos sintomas tardios.
A sinovite, a lesão meniscóide e as lesões de cartilagem são as causas mais comuns de dor crônica após entorses de tornozelo.
A instabilidade crônica ocasiona entorses de repetição do tornozelo, em intervalos variados e de diferentes graus, ocorrendo mesmo em terrenos planos e não necessariamente associada à prática de esporte.
A instabilidade após o entorse (entorses de repetição) é uma queixa muito comum após o tratamento da lesão ligamentar.
Normalmente está associada à falta de reabilitação, como reforço muscular e melhora da propriocepção. A propriocepção é a capacidade de resposta muscular automática que auxilia no equilíbrio e na estabilidade da articulação. Ela ajuda a evitar ou conter o estiramento e a ruptura ligamentar do tornozelo durante o mecanismo de entorse. Por isso, deve ser trabalhada e estimulada após qualquer lesão ligamentar, pois há uma perda importante desse mecanismo de proteção.
A correção dos déficits de força, flexibilidade e propriocepção são suficientes, na maioria das vezes, para estabilizar e evitar as entorses de repetição.
O tratamento cirúrgico da instabilidade é indicado quando não houve melhora com a reabilitação motora. Pacientes jovens, atletas ou com grande atividade física diária podem se beneficiar com o reparo e o retencionamento dos ligamentos laterais.
A técnica mais comumente empregada é chamada de Bröstrom Modificada, onde os ligamentos lesionados são retencionados e reinseridos ao osso, juntamente com um reforço do retináculo (banda ligamentar que segura os tendões).
A sinovite crônica, a lesão meniscóide e as lesões de cartilagem – lesões condrais – sintomáticas podem ser tratadas atualmente através da realização da artroscopia do tornozelo, uma técnica minimamente invasiva que permite avaliar a articulação internamente e tratar as lesões utilizando câmera de vídeo e instrumentos específicos (ver “Artroscopia do Tornozelo”).